quarta-feira, 26 de março de 2014

Metal Gear Solid V: Ground Zeroes

Sim, nós ficamos esperando. Seis longos anos após a última grande iteração para consoles, Guns of the Patriots, e quase quatro se levarmos em consideração Peace Walker - que deveria ter recebido o nome de MGS5, dada sua grandiosidade e relevância. Ficamos esperando, mas poderíamos ter esperado um pouco mais, mesmo porque houve um tempo que pensávamos que nunca mais veríamos a cara de Snake novamente. Mas pensávamos mesmo? Ainda tento compreender a real intenção da Konami com Metal Gear Solid V: Ground Zeroes. The Phantom Pain, o verdadeiro MGSV (por que o algarismo romano de súbito, Kojima?) segue sem data definida de lançamento - especula-se início de 2015 - e, acredite, poderíamos ter esperado até lá. Certo, o viés de tutorial já havia sido devidamente informado (inclusive por Hideo Kojima, em seu twitter), mas todos os fãs de Metal Gear se importam demais com trama e desenvolvimento de personagens, atribuindo a isso quase primeira importância, e não há absolutamente nada de novo aqui. Abrindo e fechando com cutscenes que já havíamos visto, há conteúdo para justificar o preço sugerido? Honestamente, só cabe a você me dizer. O quão fã de Metal Gear você é?


Talvez uma tristeza que me acometa, ao acompanhar tantos aficionados pela série ao adentrar Ground Zeroes, seja perceber como Peace Walker é um jogo subestimado. Chico, Paz, Amanda, Huey, Dr. Strangelove e tantos outros personagens importantíssimos - e que serão desenvolvidos em The Phantom Pain - deram as caras pela primeira vez em território cubano, e não ter conhecimento de causa comprometerá o todo. Muita gente nunca o experimentou, tendo sequer idéia de ser o real desenvolvimento rumo à vilanização de Big Boss. Cabe expor a ferida ainda mais: o real sucessor de Snake Eater (indiscutivelmente o melhor da série) é Portable Ops, outro título canônico à trama e altamente subestimado. Ao término da batalha de Snake em solo soviético, é necessário entender os difíceis caminhos que o herói deve percorrer até alcançar seu apogeu em Metal Gear 2: Solid Snake: Big Boss precisa se tornar o vilão da história, e The Phantom Pain deve nos entregar exatamente isto. Para se apreciar o que há de valor em Ground Zeroes é preciso entender o que ele é de forma efetiva, a fim de evitar decepções. Já é quase de conhecimento popular a brevidade do episódio (sim, é mesmo possível concluí-lo em poucas dezenas de minutos), mas é relevante sentirmos, com controle em mãos, as radicais mudanças nos alicerces fundamentais que Ground Zeroes apresenta à Metal Gear. Uma mera demonstração conseguiria fazer o mesmo? Talvez, mas não com a quantidade de extras que aprofundam (nunca desenvolvem, percebam tratar-se de uma evolução vertical) o rico universo de MGS. Após os eventos de Peace Walker (recomendo a leitura das onze páginas de texto que sintetizam a trama supracitada), Snake e Kazuhira Miller seguem firmes com sua Mother Base e seu exército particular, o Militaires Sans Frontières - MSF, em algum lugar do Mar do Caribe. Paz - agente dupla (talvez tripla?) está desaparecida e considerada morta após o confronto com Big Boss (spoiler de marca maior de Peace Walker) - e Chico é capturado ao tentar encontrá-la. Conseguindo interceptar informações do paradeiro do garoto apaixonado, Snake parte em seu resgate, caindo na base militar de Camp Omega, o pedacinho dos Estados Unidos em território cubano. E é em tal base que teremos um aperitivo do novo e famigerado "mundo aberto" de que Metal Gear agora faz parte.



Cabe apontar a versão ter sido avaliada no PS4. E o impacto inicial é brutal. Fox Engine é algo de monstruoso e, tecnicamente, Ground Zeroes é um marco. Impossível não se impressionar com a quantidade de detalhes depositados em todo lugar - talvez o mesmo impacto causado por MGS4 acerca de seu lançamento, em 2008. Modelos de personagens, do mais trivial dos sentinelas até o próprio Snake, variações de terreno - a lama é surreal - a chuva, os efeitos de luz e sombra, texturas de panos, pedras, enfim, tudo impressiona. O mesmo para os efeitos sonoros: aproxime a câmera (que agora é livre, a exemplo de tantos TPS no mercado) de Snake e ouça a chuva ao colidir em seu corpo. É de arrepiar. O choque também cabe para a nova voz do herói. Sai o já consagrado David Hayter e entra Keith Sutherland. É esquisito a princípio, mas mera questão de costume (mas admito nunca ter acompanhado a série 24 Horas, logo, meu envolvimento com o ator se resume a Melancolia e um filme de terror bem ruim que sequer lembro o nome). Talvez a escolha tenha encaixado bem, já que é sabido que Hideo Kojima propõe algo mais sombrio para The Phantom Pain - afinal, veremos o mito se tornando vilão, e, em Ground Zeroes, tal proposta toma forma no aspecto "falso documentário" que acompanhamos nas cutscenes. É interessante ver as coisas por esse prisma, além de tornar Skull Face um personagem bastante promissor. Metal Gear não é das séries mais amistosas em seus controles. A linha de aprendizagem sempre foi acentuada, exigindo estudo por parte do jogador para dominar completamente os movimentos e capacidades do personagem controlado. As coisas funcionam muito bem quando tal ponto ideal é encontrado. Ground Zeroes, definitivamente, é mais acessível, remetendo a tantos outros jogos de tiro e furtividade que vemos por aí. Snake abriu mão de sua cambalhota para frente, sua aderência a paredes e demais superfícies (além das batidinhas nas mesmas), além de outros recursos de HUD (que nunca esteve tão limpo) para se adaptar aos novos tempos. O GPS indicativo da posição inimiga, marcadores com contagem regressiva referente ao nível de avidez de soldados e até a clássica caixa de papelão, tudo se foi. No entanto, o chefão de Ground Zeroes está mais "amistoso ao usuário" do que nunca: você pode andar agachado o quanto quiser, CQC nunca foi tão simples de se executar, se arremessar para barricadas e, ali, se esconder quase que de forma automática e utilizar-se do recurso mais impactante destes novos tempos, uma espécie de bullet time que ocorre toda vez que algum sentinela avista Snake. Fazendo uso de tal, há a sensação real de estarmos controlando alguém muito acima da média, superior a seus adversários, com reflexos acelerados, sendo assim, fácil, enquanto tenso e divertido, acertar o alvo bem no meio dos olhos antes do alarme ser soado. Em contrapartida, não gostei de terem substituído as rations pelo péssimo sistema de regeneração de energia por tempo.



Como trata-se de um mundo aberto e, até certo ponto, vasto, mas com muitas possibilidades, ferramentas antigas agora funcionam de forma mais eficaz. A exemplo dos binóculos, indispensáveis para demarcar a posição inimiga no próprio campo de visão de Snake e em seu localizador, utilizado em tempo real (há aqui a opção de baixar um aplicativo em seu smartphone, simulando o acessório na palma de sua mão). A atenção do jogador é fundamental para manter o fator furtivo: mais que fazer uso de equipamentos, prestar atenção à movimentação e rotas inimigas e agir com cautela transformam a experiência, assim como iterações passadas, mas alguns níveis acima no quesito veracidade, dados incríveis poderios técnicos. A experiência aqui é breve e você pode (talvez não no nível mais alto de dificuldade) sair atirando em tudo que se move a esmo, fazendo uso de armamentos antiaéreos, granadas e bombas plásticas para chegar até Chico, como um verdadeiro First Blood deve ser. A liberdade para ir do ponto A ao ponto B é grande, e sempre preferi o stealth ao genocídio. Numa das vezes que conclui a missão, encontrei dutos de ventilação escondidos que me asseguraram acesso à certa área de forma mais discreta; outra vez, ao interrogar um soldado, soube qual dos jipes da base estava carregado com C4 (é bem fácil dirigir veículos, outra novidade neste universo). Há até colecionáveis na forma de emblemas da XOF (nova organização apresentada por aqui) e recompensadas habilitadas ao término da missão, como novas armas e modos de dificuldade. O valor replay é alto em Ground Zeroes, e como há leaderboards demarcando tempo, incitando disputa, e mensagens de desafio que surgem a todo instante (tiro na cabeça de maior distância, por exemplo), é sempre divertido retornar a Camp Omega. E acredite: você, veterano de Metal Gear, não ficará contente ao receber uma classificação C ao terminar a missão. É pessoal. Mas todas essas novidades nos controles poderiam ser supridas com uma mera demonstração, afinal, tal é seu papel. Mesmo com missões opcionais habilitadas ao término da "campanha" (sim, entre aspas), e mesmo com sua variedade chegando a impressionar de forma tacanha (é legal ver Camp Omega ao pôr-do-sol ou pela manhã), não acredito que Ground Zeroes convença alguém a embarcar no mundo de Metal Gear Solid. Aqueles que querem The Phantom Pain mais do que tudo na vida, já o queriam desde seu anúncio, e nada muda após os pares de horas decorridos ao lado deste Snake abastado tecnologicamente. Sim, não poderia estar mais empolgado e ansioso por MGSV, mas o custo-benefício de Ground Zeroes não é justificável, e vivemos em tempos onde podemos comprar o jogo de nossas vidas por trocado de bala.

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